terça-feira, 28 de abril de 2009

Lixeiros...

Em todas as cidades porque passei e morei sempre observei algo comum: a alegria dos lixeiros. Pela manhã, à tarde, à noite, pela madrugada, lá vem aquele escarcéu. Um caminhão enorme e fedido e a sua frente, ao lado, atrás, correm homenzinhos com roupas de cor forte – amarelo, verde, laranja – rolando tonéis, carregando sacos, sempre, sempre brincando e sorrindo. Dentro dos tonéis, em sacos e caixas encontram-se restos de tudo. De tudo que jogamos fora porque não queremos mais em nossas vidas. O mau cheiro oriundo da podridão parece não ser percebido pelos homenzinhos que saltitantes fazem seu trabalho. Como se encenassem uma coreografia, o grupo marca um compasso afinado. O motorista do caminhão avança no mesmo ritmo em que os homenzinhos vão colhendo o lixo. É uma verdadeira equipe. Não sei se foram capacitados para esse trabalho. Só sei que acontece desse jeito. Depois que eles passam, parece que sentimos um alívio. O mau cheiro, a sujeira e o barulho vão embora. Tratamos de produzir mais lixo e mais sujeira. Ah! Esqueci-me de dizer que uma das estrelas do carnaval do Rio de Janeiro é um lixeiro que após o desfile, samba com a vassoura, sendo ovacionado por todos.

Por todas as escolas, palestras, seminários e congressos de professores, em todas as cidades por que passo, observo algo comum: a tristeza de meus colegas. Sentam-se todos nas últimas fileiras, parecem cansados, desmotivados e tristes, muito tristes. Enquanto ocorre o encontro, os rostos são verdadeiras representações da frustração. Suas perguntas são sempre baseadas no descrédito em seu trabalho, na desesperança. O que fazer com um aluno que não faz nada? O que fazer com os que não querem nada? Como é que se ensina a quem não tem nada? Nas escolas, o quadro não muda muito. O atraso é, muitas vezes, um modo de dizer: vim só para não levar falta e ser descontado. Os xingamentos e agressões verbais aos alunos são uma forma de “educar” pelo constrangimento, o que sabemos que não leva ninguém a nada. As reclamações sobre a família, o sistema (é sempre ele o culpado), a falta de recursos são recorrentes e inexoráveis no discurso dos professores. Dificilmente, encontra-se uma equipe que caminhe afinada em seus propósitos. O fato é que isso ocorre em vários níveis – no ensino básico, médio e superior. No ensino superior, no qual atuo, alguns prezam por culpar a gestão, o despreparo dos alunos, a falta de recursos etc.


O que essas duas categorias profissionais – os lixeiros e os professores - têm em comum? A princípio, nada. A primeira lida com o que deve ser descartado, escondido, desprezado. A segunda, com o que há de mais importante: o humano vivo, em desenvolvimento. Por isso, persisto em minha indagação: por que há essa inversão de comportamentos? Lixeiros alegres, professores tristes. Não deveria ser ao contrário? Lixeiros não deveriam ser tristes, mal humorados? Professores não deveriam ser alegres, saltitantes? Quem é mais, quem é menos importante? Será que lixeiros reconhecem seu trabalho e professores não? Será que o contato com o lixo traz mais prazer do que com crianças? Será que a vida é menos importante do que objetos descartados, fétidos, prontos para a destruição?

Esse é somente um questionamento de quem, como eu, se sente feliz, alegre e importante por ser professor.

Rossana Ramos

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