sábado, 11 de abril de 2009

Entrevista à Revista Educação da Ed. Segmento

Alfabetização no Brasil


1- Qual é o método de alfabetizar crianças mais adequado e eficiente? Por quê?

Não creio que há métodos mais eficientes ou mais eficientes até porque estou certa de que a aquisição da escrita e da leitura se dá por meio de um processo de construção individual, na medida em que o sujeito entra em contato com o objeto do conhecimento, no caso, com o texto escrito.

2- qual é o método adotado atualmente no Brasil (fazer uma pequena descrição)? Por que foi adotado? Desde quando? Tem funcionado bem?

Atualmente, o que tenho observado em relação à alfabetização, é que estamos saindo da era dos métodos e caminhando para um processo de alfabetização que, com base teórica na psicogênese da escrita, descrita por Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, considera que os indivíduos constroem ou reconstroem o conhecimento da escrita e da leitura mediante o contato com este objeto, criando hipóteses, compreendendo sua funcionalidade, bem como as regras do sistema.

3- Quais são os planos para o futuro em relação a métodos a serem adotados? Há previsão de mudança?

Como disse anteriormente, a tendência é que os métodos sejam totalmente ultrapassados e permaneçam somente na história da educação como objeto de estudo da historiografia da alfabetização.
A mudança já está ocorrendo, ainda que a passos largos.

4- Há estatísticas da evolução da alfabetização no Brasil? Ex: nas últimas duas décadas cresceu?, diminuiu? Como é a situação hoje?

Desconheço de forma precisa estes dados. Contudo, percebe-se, a grosso modo, que existem menos pessoas analfabetas a nossa volta do que, por exemplo, há 30 anos. Na minha opinião, isso ocorre em face do processo de democratização da escola, ou seja, em virtude do contato sistemático dos indivíduos com a escrita.

5- Há algum abordagem única que dê conta de lidar com a realidade brasileira? Isso é possível em um País tão diverso quanto o nosso? Se há, qual é ela? Por quê?

Volto a dizer que não acredito em métodos ou “abordagens” específicas. Para aprender a ler, é necessário que o indivíduo entre em contato com a escrita e perceba não só o aspecto mecânico do sistema lingüístico, mas também sua funcionalidade. Para isso, é preciso, algumas vezes, que se realizem determinadas ações didáticas, nesse caso, realizadas pelos professores.

6- Caso não haja uma linha única para o Brasil, qual seria o método (ou os métodos) mais adequados que trouxessem bons resultados em todas as regiões e circunstâncias?

A língua escrita é uma só. Por isso, ler e escrever independe da região em que o indivíduo se encontre. Podemos até considerar que os textos inicialmente trabalhados sejam relativos à realidade e as preferências dos alunos. Contudo, o papel principal da escrita é teorizar toda e qualquer realidade existente, aqui ou acolá. Podemos dar como exemplo o ensino de língua estrangeira que ocorre em países distantes, sem grandes aproximações com o país de origem.

4- Construtivismo ou método fônico? Qual é o melhor método? (Fazer uma descrição de cada um deles e uma comparação).

É preciso deixar claro que Construtivismo é uma teoria e não um método. Por isso, não há como colocar esses dois conceitos em oposição. Uma proposta construtivista de alfabetização não supõe esse ou aquele elemento lingüístico como passo inicial à aprendizagem da escrita e da leitura. Tampouco evidencia de forma sistemática qualquer aspecto da língua. Ou seja, som, forma e significado são considerados indissociáveis, e o são, quando se trata de ler e escrever. Atualmente, com base na perspectiva social da língua, levam-se também em conta aspectos extra-lingüísticos como, por exemplo, quem escreve, onde escreve etc. Já os métodos tratam de “preparar” a língua para ser aprendida. Levando em conta a mecânica da língua, supõem que esta ou aquela letra, sílaba ou palavra deve ser aprendida prioritariamente, por ser “mais fácil”. Dessa forma, aprende-se o BA antes do BRAN. Uma abordagem fônica, por exemplo, desconsidera os outros níveis do signo lingüístico, isto é, a forma, o significado, bem como sua inserção social. Volto a dizer como alfabetizadora, que não acredito em métodos. Até porque todos estão relacionados à teoria behaviorista, que condiciona o sujeito a um determinado comportamento, desconsiderando que a aprendizagem é uma ação ampla que se desenvolve a partir de uma iniciativa própria do sujeito, em contato com o objeto, relacionando-o com o meio em que vive.


5- Comente de maneira sintética a polêmica que se criou recentemente em torno do tema alfabetização no Brasil. Quais são as principais correntes que estão causando discussão? Quais são os planos do governo? O que pensam os educadores, pedagogos, gestores?


Não creio que tal polêmica tenha repercutido diretamente na escola. Entre os vários motivos, pelo fato de que o professor que está consciente das mudanças, não se abala com tal discussão que é, certamente, retrógrada e inócua. As correntes que ainda por ventura defendam esse ou aquele método constituem uma ação de forças centrípetas, conservadoras que entendem a educação como algo fixo, imóvel, enquadrado em modelos ultrapassados.
Desconheço que o governo tenha planos para a nossa educação. O que se vive hoje, efetivamente, no âmbito pedagógico é algo como “cada um faz o que quer”. Isso porque enquanto há profissionais estudiosos, comprometidos com uma educação moderna, baseada em visões avançadas, ainda há aqueles que enchem as lousas com famílias silábicas e fazem as crianças repetirem-nas incansavelmente.


6- A experiência cubana serve para o Brasil? Por quê? Ou ela serve apenas para algumas realidades como a do Piauí?

Também não creio em experiências, e sim em teorias, tendo em vista que o plano empírico é superficial. Nesse caso específico da ação pedagógica aplicada em Cuba, percebe-se que houve um grande empenho nas práticas aplicadas, o que de fato determinou o sucesso do projeto. Nesta perspectiva, ou seja, quando as instituições educacionais se propõem de fato a “tirar a teoria do papel” e pô-la em prática, o resultado é quase sempre positivo.

7- O “Yo sí puedo” é a solução para reverter o quadro preocupante verificado nas avaliações recentes que mostra que crianças vão à escola, mas não aprendem a ler e a escrever satisfatoriamente?

Na minha opinião, o que pode mudar definitivamente o quadro do analfabetismo no Brasil é uma verdadeira ação na formação de professores, e não a aplicação deste ou daquele modelo. O professor bem preparado é capaz de criar, com seus alunos, um plano didático apropriado e, portanto, eficiente. Contudo, a nossa realidade aponta para uma absoluta falta de direcionamento no que se refere à capacitação na área de educacional. Os recursos financeiros, quando aparecem, muitas vezes, são mal utilizados. As empresas de capacitação proliferam-se a cada dia, do que se pode concluir que seja um bom negócio. Todavia, a qualidade da maioria delas é discutível. Por outro lado, as instituições públicas, no caso as universidades, vem deixando a desejar em suas funções básicas – ensino, pesquisa e extensão –, contribuindo para a educação de má qualidade que temos hoje neste país.


8- Até que ponto as divergências entre educadores no Brasil com relação ao tema alfabetização são apenas pedagógicas?

Essa é uma importante questão, em se tratando da falta de embasamento do professor para defender suas próprias concepções. Já presenciei situações em que o professor é “obrigado” a utilizar métodos e materiais que considera inadequados para não perder o emprego ou não ser discriminado pelo grupo, o que gera uma insatisfação e, conseqüentemente, uma má qualidade no ensino.

9- Como solucionar a questão de maneira positiva e produtiva, fazendo com que as crianças saiam da escola lendo e escrevendo como se deve? O que falta para isso no Brasil?

De modo geral, a solução está em uma verdadeira revolução político-educacional que atenda aos propósitos sociais. Isto quer dizer: formar adequadamente os professores, garantir-lhes salários dignos, destinar uma dotação orçamentária para a aquisição de material, especificamente livros, adotar critérios de avaliações contínuas de profissionais e, sobretudo, garantir aos alunos o direito prescrito na lei com relação a um atendimento educacional de qualidade, onde quer que estejam. No que diz respeito à alfabetização, penso que nós, especialistas, devemos também nos empenhar em pesquisas e ações pedagógicas que contribuam para novas visões, deixando de lado modelos e métodos ultrapassados, simplesmente por deram certo aqui ou acolá.



Rossana Ramos é doutora em Língua Portuguesa pela PUC/SP. Autora de oito livros nas áreas infantil e pedagógica pelas editoras Cortez, Imeph e Pró-Infanti.

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